O Mercado Ilegal1, certamente, é um fenômeno que existe em todas as economias do planeta, em maior ou menor escala. Segundo definição obtida no Dicionário Jurídico JurisHand, é toda “Atividade econômica ilegal ou clandestina, em que ocorre a venda ou troca de bens e serviços proibidos, controlados ou escassos, sem o pagamento de impostos, taxas e regulamentações aplicáveis, como o contrabando, o tráfico de drogas, a pirataria, entre outros.” É praticamente impossível dimensionar de forma precisa o tamanho do mercado ilegal mundial. Estimativas dão conta de que, apenas nos Estados Unidos da América, o mercado ilegal tenha movimentado cerca de 2,55 trilhões de dólares no ano de 2020, já que calcula-se que corresponde a 12% do PIB (Produto Interno Bruto) do país2. No Brasil, estima-se que, também em 2020, a economia formal tenha perdido cerca de R$ 287 bilhões para o mercado ilegal, segundo levantamento do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP).3 Um estudo da FGV estimou que, no setor de combustíveis, só em fraudes tributárias, o governo federal deixou de arrecadar R$ 14 bilhões, em 2018. “Não pagar os tributos gera uma diferença muito grande no setor de combustíveis. Você tem uma concorrência desleal”, explica o superintendente da FGV Energia, Márcio Lago Couto. Portanto, é fácil inferir que o mercado ilegal de combustíveis movimenta uma quantidade enorme de dinheiro, que pode irrigar a criminalidade organizada.

É sabido que o mercado ilegal termina por incrementar e financiar diversas outras atividades criminais. Sua existência dá uma falsa impressão de pujança econômica, porque faz com que ocorra circulação de capitais. Na realidade, entretanto, o que o mercado ilegal faz é negar ao país as receitas necessárias em impostos e demais pagamentos, que financiam os serviços e investimentos estatais, que deveriam reverter em benefícios para a sociedade. Quanto mais não fosse, o mercado ilegal incentiva a decadência moral, pelo incremento do crime, da venda e do consumo de drogas ilegais e da sensação de desorganização da sociedade e permissividade do Poder Público. No limite, acabam sendo expulsos da economia os empresários legítimos, que não conseguem competir com os preços artificialmente baixos, oferecidos pelos agentes econômicos do mercado ilegal.

Em atividades reguladas da economia, a fronteira entre o agente legal e o ilegal se torna mais nítida do que em outros setores. De uma forma geral e resumida, em se tratando de setor regulado, todo agente econômico que desenvolve atividade em desacordo com as prescrições estatuídas pelos respectivos órgãos de controle regulatório, se revela como um agente ilegal. A indústria de petróleo e gás natural é um dos pilares do sistema energético brasileiro, trata-se de um setor com enorme capacidade de geração de empregos, receitas de exportação, vendas internas e arrecadação tributária nas esferas municipal, estadual e federal4. Desde 1938, as atividades da indústria do petróleo e combustíveis no Brasil são disciplinadas pelo Estado. A partir do momento em que se passa a regular determinado mercado, nasce o mercado ilegal.

A distribuição de asfalto também é regulada pela ANP, logo, não está imune à existência do seu específico mercado ilegal, o qual se constitui, no mais das vezes, de empresas que atuam como se fossem distribuidoras de asfaltos, sem que, entretanto, possuam autorização da ANP. Esses agentes do mercado ilegal comercializam produtos objeto de roubo, furto ou desvios de cargas regulares, originárias de distribuidoras autorizadas ou de outros agentes que adquirem o produto em grande quantidade. O cumprimento de todos os requisitos estatuídos para o negócio de distribuição de asfaltos acresce um custo significativamente elevado para as empresas que os atendem. Assim, o agente que não cumpre todos os requisitos definidos pela ANP, passa a auferir vantagens competitivas em relação aos seus pares, o que resulta em concorrência desleal. O agente econômico que, na prática, exerce a distribuição de asfaltos sem que antes tenha obtido autorização da agência reguladora, põe-se em condição de vantagem competitiva perante as empresas distribuidoras regularmente autorizadas e, ao mesmo tempo, deixa toda a sociedade de consumo e o meio ambiente à mercê do risco da sua atuação em desacordo com as prescrições técnico-regulatórias existentes.

É plenamente legítimo, e até mesmo uma espécie de dever cívico, que os agentes econômicos que atuam em conformidade com a legalidade, se unam em torno do objetivo de colaborar com os diversos órgãos de regulação fiscalização e controle, para mitigar os danos resultantes dos agentes que atuam à margem da lei. Estas iniciativas setoriais podem se materializar através de instituições, como sindicatos e associações; por intermédio de institutos criados com o específico fim de combate ao mercado ilegal, como é exemplo o Instituto Combustível Legal (ICL)5; e pela participação nos mais diversos fóruns e organismos existentes, como é exemplo o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP)6. A efetividade dessas iniciativas de combate ao mercado ilegal depende muito da participação dos agentes econômicos regularmente instituídos, tanto por conta das informações que, naturalmente, detêm em decorrência da própria participação no mercado, quanto pelo efetivo apoio operacional que podem prover aos órgãos de fiscalização. 

As iniciativas de mitigação desse emaranhado de irregularidades, que muitas vezes são perpetrados por grupos econômicos poderosos e mediante estruturas societárias e operacionais complexas, demanda a união dos esforços dos entes, públicos e privados, em uma cooperação interinstitucional. Nesse contexto de necessidade de cooperação interinstitucional, em que, além dos entes estatais, todo tipo de colaboração no mister do combate às irregularidades no mercado deve ser incentivado, cada setor afetado deve se organizar e colaborar com o Poder Público, para que se possa vislumbrar um horizonte em que o mercado ilegal seja efetivamente mitigado, em que os agentes que se pautam pela legalidade terão condições de prosperar. 

O setor de asfaltos fez a sua parte. Por iniciativa da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Asfaltos – ABEDA, teve início em outubro de 2023 a campanha Asfalto Legal, exatamente com o objetivo de contribuir com as entidades públicas, em prol de melhorias no mercado

Daniel Braga
Conselheiro da ABEDA


1 – Neste texto como “Mercado Ilegal” como toda generalidade de transações comerciais efetivadas à margem das normativas aplicáveis a cada determinado setor da economia. Nos países de língua inglesa é conhecido como Black Market (mercado negro em tradução literal).

2 – Fonte: https://www.addictioncenter.com/addiction/black-market/

3 – https://fncp.org.br/publicacoes/ 4 – Desde 1938 (Decreto-Lei n° 395/38) foram declaradas de utilidade pública as atividades de importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados, no território nacional, e bem assim a indústria da refinação de petróleo importado em produzido no país, tendo previsto a criação do órgão regulamentador setorial, Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que posteriormente (em 1990) foi sucedido pelo Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), o qual, por sua vez, teve suas competências transferidas pela ANP em 1997, criada com sua competência institucional estabelecida pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (Lei do Petróleo), regulamentada pelo Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998.

5 – https://institutocombustivellegal.org.br/

6 – https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/combate-a-pirataria

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